sábado, 14 de julho de 2012

Entrevista a Carlos Daniel

Carlos Daniel: "Preocupa-me a indefinição quanto ao futuro da RTP"
Numa entrevista à beira-mar, o jornalista da RTP fez o balanço da experiência como comentador no Campeonato Europeu de Futebol 2012. No Porto, reconheceu que é mais complicado trabalhar a norte, recordou os relatos na rádio, a infância, partilhou paixões e mostrou-se realista quanto ao mundo em que se move.
Dentro do jornalismo, é um rosto associado ao desporto. O futebol é uma paixão?
Sim, gosto de várias coisas que faço, mas o futebol precede e sucede ao trabalho. São os momentos em que estou a trabalhar com mais prazer, se é que o posso dizer assim... Embora todo o trabalho me dê gozo e eu tenha gosto nele, quando faço futebol estou a fazer uma coisa que me apaixona independentemente do trabalho.
E no Europeu foi comentador no Missão Euro, na RTP...
Esta foi a terceira experiência do género. Fiz comentários da Liga dos Campeões, há dois anos, ainda na RTPN, e aquilo já foi uma experiência muito gira. Depois, ao longo desta época, fiz o Grande Área sobre o campeonato, ao domingo à noite, e também funcionou muito bem. A única diferença é que, agora, pude atuar sobre as imagens o que, antes, até por questões contratuais, era complicado. De repente, foi mais fácil fazer o que gosto, ou seja, explicar o futebol e fazer que as pessoas olhem para o jogo e não apenas para as grandes penalidades e foras-de-jogo, e mostrar-lhes o que estou a ver e que acho mais interessante. Acho que o salto maior teve que ver com isso.
Ficou surpreendido com esse desafio?
Não! Em parte, isso foi trabalhado comigo, pelo Nuno Santos, pela direção de Informação. Dei um contributo grande para o formato que teve que ver com o À Noite o Mundial, experimentado há dois anos. Pela primeira vez, metemos o Facebook em direto com o Álvaro Costa e acho que foi esse o programa que marcou uma viragem neste tipo de conteúdos. Embora haja outros mais arrojados e leves, esse conseguiu um bom equilíbrio. O deste ano foi um sucedâneo em que deixei de ser o apresentador e passei a comentador residente. Para mim foi a mudança!
E gosta mais de ser apresentador ou comentador?
Sobre futebol, atualmente, gosto mais de ser comentador. Hoje dá-me mais gozo responder às perguntas do que fazer as perguntas.

Uma vez disse que enquanto comentador tem de se controlar, para não tirar o lugar ao colega que está a apresentar. Ainda continua a ser assim?
(risos) Sim, continua a acontecer-me, mas é normal. São tantos anos a moderar programas que acabamos por estar do outro lado, à espera da pergunta, mas preocupado com o tempo, com o direto, a peça que não entrou. Temos noção do que o outro está a sentir, mas é o outro lado. E, por exemplo, há uma vivência que nunca tinha tido, em que percebi, ao fim de mais de 20 anos, o drama que é o entrevistado não ter o apresentador ou entrevistador a olhar para ele. Aquilo que tantas vezes fiz - ir ao computador ver um recado, tomar uma nota - é horrível para quem está a dar uma opinião e perde o contacto com quem faz a pergunta. Vivendo o outro lado é que se percebe uma série de coisas e essa foi uma delas.
Então, aprendeu e vai corrigir algumas coisas na forma de atuar...
Sem dúvida! Hoje tenho a certeza de que fazia melhor a apresentação do que fiz antes. Embora ache que nunca fiz mal, dá sempre gozo acrescentar algum conhecimento e poder ter a oportunidade não apenas de sugerir que alguém acrescente mas sermos nós também a acrescentar. Acho que esse é o gozo suplementar do comentário sobretudo por acreditar que o futebol tem muito mais graça para além da polémica, pois é um espetáculo de dança, de estratégia, de luta, de combate, xadrez... O futebol tem uma dimensão tão complexa que reduzi-lo a polémicas é absurdo.
No futebol, a polémica é um ruído?
Não se pode fugir dela. Como jornalista não tenho medo da polémica. Quer quando apresentava mais programas quer agora como comentador, nunca pedi para não comentar ou de deixar de falar sobre qualquer questão. Nunca evito, tento é fazer perceber e tentar levar ao entendimento que o jogo é sempre mais do que a polémica e que a beleza do mesmo nada tem que ver com os lances polémicos, embora façam parte de um todo.
Durante o Euro, teve feedback do público através das redes sociais. Como encara as opiniões de quem o vê e ouve?
Pois, tenho um princípio que é - com todo o respeito por esse feedback - não o valorizar em demasia, nem quando é positivo nem quando é negativo, para não ficar agarrado a ele. No entanto, partindo desse princípio, tenho de admitir que o feedback ao programa foi fantástico, quer nas redes sociais quer na rua. Era sair à rua e receber os parabéns de pessoas que não conhecia e que me falavam do jogo, do programa. Isso foi talvez o mais gratificante.
Esse tipo de trabalho, sem fato e gravata, a falar de um tema que é grato a tanta gente, aproxima-o do telespectador?
Sim, e eu sempre gostei muito do direto e do improviso. Não me dá um gozo particular fazer coisas gravadas e agarro-me muito ao improviso, pois acho que somos muito mais comunicativos quando estamos a falar com as pessoas do que quando estamos a ler algo que escrevemos antes. Portanto, este tipo de programas é isso e as pessoas sentem-no.
Não tem medo das ratoeiras do improviso?
Tenho e penso sempre nisso. O meu improviso é sempre muito preparado. Por exemplo, faço o Ordem do Dia, o programa de debate político na RTP Informação à quinta-feira, em que nunca escrevo uma linha para o teleponto, mas escrevo muito nos meus papéis. Tenho os meus temas todos organizados, tenho uma série de temas que quero perguntar. Agora, quando fiz debates sobre temas como violência doméstica ou sobre crianças não arrisquei nos textos de abertura nem nos textos de fecho. Aí, preferi escrever e ler, pois uma expressão menos conseguida pode comprometer a seriedade do trabalho todo. Mas em temas como política ou futebol, em que estou à vontade, não vejo necessidade de escrever e ficar agarrado a uma formulação.
"Não temos nenhuma indústria tão competitiva como o futebol"
Futebol e política são a sua praia?
Essas são as áreas de que gosto mais, que me interessam sempre. É claro que hoje falar de política é falar também de economia e eu tenho feito quase um curso apressado para perceber muitas das coisas que vão acontecendo. E quando não percebo, pergunto, pois tenho bons amigos entendidos na matéria e que me ajudam. Mas esses são assuntos que sigo mesmo sem estar a trabalhar. Costumo dizer que o melhor para um profissional do jornalismo é quando consegue trabalhar sobre a matéria que gosta independentemente do trabalho. Há pouco, falámos de futebol mas, para mim, a política também é, em parte, isso. Não é a política partidária e a vida política que me atraem, mas sim o debate político, o debate de ideias. Preocupa-me perceber para onde se caminha, o mundo, o País, a Europa e por isso leio sempre. Leio livros de política como leio sobre futebol. Leio jornais todos os dias quer o trabalho esteja ou não dependente disso.
Em Portugal ainda há um certo prurido no que respeita ao jornalismo desportivo?
Acho que há um certo menosprezo em alguns setores, em alguns momentos do trabalho de quem faz jornalismo desportivo ou comentário desportivo, mas isso é próprio da história. Os jornalistas da área do desporto lutaram, até há poucas décadas, para ser considerados jornalistas de facto. Muitos entraram pela porta das narrações e até há pouco tempo eram locutores nas rádios e nas televisões e não eram vistos como jornalistas. Alguns tornam-se jornalistas apenas porque passaram a ter carteira profissional e, de facto, não o são verdadeiramente. Mas parece-me que, apesar de tudo, o tempo provou que algumas pessoas começaram no desporto e fazem outras coisas muito bem, e sobretudo que se pode fazer bem e distintamente desporto como outras matérias. Às vezes, é muito curioso percebermos que há pessoas que estão num jornal, numa revista e que acham que podem fazer hoje uma notícia de política e amanhã uma de internacional, depois uma de cultura, mas quando chegam ao desporto dizem "desporto não, que não percebo nada". Isso não faz sentido a não ser por um prisma: o público do desporto é o mais informado. Acho que não há nenhum tão conhecedor da matéria em termos de grandeza como esse, pois há muita gente a perceber de desporto. Ou seja, podemos falar de teatro e há um nicho que entende de teatro e vai detetar o nosso erro, mas é menos gente. Quando o assunto é desporto e futebol, estamos a falar de muita gente que nos vai ler ou ouvir e, por isso, acho que há muitos a dizerem defensivamente que não percebem do assunto para não correrem o risco de se comprometer.
A sua cultura futebolística é há muito reconhecida. Como é que a cultiva?
Gasto muito dinheiro em revistas, tenho muitos livros, leio muita coisa, aprendo muito com as pessoas do futebol. Felizmente, sou muito amigo de treinadores, jogadores e ex-jogadores, jornalistas que fazem esse tipo de trabalho, e gosto muito de discutir futebol. Posso dizer que, se calhar, não há um dia em que não fale de futebol com alguém. Isso ajuda, mas ainda agora para o Europeu foi preciso estudar mais. Saber exatamente o que vale um jogador da Ucrânia, da Suécia ou da República da Irlanda não é a mesma coisa que falar da Itália, Inglaterra ou Espanha, portanto, tive de pesquisar mais, ler mais, investigar, ver jogos recentes, saber o que cada jogador fez. Acrescentei conhecimento ao que já tinha, pois não conseguiria estar a falar de uma equipa sem conhecer os jogadores. Acho que é isso que pode diferenciar o fazer bem e o muito bem. Para fazer muito bem é preciso estar seguro.
Os jogadores continuam a ser o melhor do futebol?
Sim, sem dúvida, embora no caso português seja justo associar ainda os treinadores. Não temos nenhuma indústria, nenhuma atividade tão competitiva como o futebol. É extraordinário que, numa modalidade com mais países filiados do que a ONU, Portugal seja a quinta seleção do mundo e tenha a quinta classificação de equipas na Europa. Ainda temos o melhor jogador do mundo e um dos melhores treinadores do mundo, o empresário de maior sucesso no mundo do futebol, o FC Porto a ganhar duas provas europeias nos últimos dez anos, o Benfica que chega no mínimo aos quartos-de-final, o Sporting numa meia-final europeia, o Sp. Braga numa final, por isso reconhecer que não há aqui muita competência junta no futebol português é não perceber com quem estamos a lidar. Aliás, até temos um árbitro que, num ano, apitou duas finais internacionais. Acho que umas coisas puxam as outras e que o reconhecimento da arbitragem também tem que ver com o reconhecimento de todo o futebol português. E aqui, sem querer ser simpático - não é o meu estilo -, acho que há um nome incontornável, por muito polémico que seja, que é José Mourinho. Para mim ele é a marca da revolução do futebol português.
Numa altura em que o futebol nacional está em alta, a RTP não vai transmitir os jogos da Liga dos Campeões, direito adquirido pela TVI. Lamenta essa perda?
Sim, tenho pena como profissional da RTP e até pelo contexto que já descrevi, pela importância que o futebol tem para o País. Espero que tenhamos a seleção e até o campeonato nacional que me parece ser um acontecimento de interesse público, ao contrário do que muitas vezes tanto se diz. Acho que se uma televisão pública, que ainda tem dois canais, não puder dispensar duas horas por semana para dar um jogo do campeonato, não consigo entender.
"Os agentes desportivos não gostam das críticas"
Há uns anos foi avançada uma alegada polémica entre Carlos Daniel e o ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol Gilberto Madaíl. Os agentes desportivos estão pouco preparados para a crítica? Alguma vez sentiu qualquer pressão?
Genericamente, os agentes desportivos não gostam de críticas. Os jogadores também detestam críticas, mesmo as construtivas. Eles não gostam de nenhumas. Estou a falar dos nossos grandes jogadores, os craques que estão habituados a ser os ídolos e nunca os criticados. Então, quando, de repente, o craque que a revista cor-de-rosa procura incessantemente a vida inteira e que depois é idolatrado e até lhe pedem autógrafos por tudo e por nada, leva com uns tipos que têm a pretensão de dizer que não jogou bem ou que podia ter jogado melhor, nunca é muito agradável. Mas isso é uma reação normal e que acho que tem que ver com essa vivência de ídolo que lida mal com a opinião de alguém que, porventura, até considera que não tem tanta qualificação quanto isso. Outra coisa são pressões. Isso existe em todo o lado, mas eu nunca tive pressão por parte de Gilberto Madaíl. Tive um problema num programa em direto, mas foi resolvido pelos dois e por iniciativa dele. Depois, houve uma outra questão - pós-Mundial 2006 - que nada teve que ver com a anterior, mas que relacionaram. Misturaram muitas coisas, mas são as voltas que a vida dá.
No papel de comentador, são lhe feitos ataques clubísticos e apontadas algumas críticas. Como lida com isso?
Lido bem (risos). Tirando algumas vozes maldosas - que sei quem são - que tentam arregimentar umas 20 almas para me denegrirem, não perco o meu tempo com isso. Agora, valorizo as críticas ao meu trabalho. Às vezes, dizem coisas que fazem sentido. Aliás, a par de muitos elogios, há uma crítica que me fizeram agora recorrentemente que é, às vezes, falar de mais e até demasiado depressa. Falar depressa já é de nascença, mas reconheço que, em alguns programas, falei de mais. A esse tipo de críticas reajo bem e até tentei melhorar. Acredito que acabei melhor do que comecei. Agora, quando vêm com coisas básicas de clubite não ligo.
Foi muito comentada a forma como criticou a arbitragem do Chelsea-Benfica, na última edição da Liga dos Campeões...
Pois, mas isso é uma coisa que as pessoas hão de dizer sempre. Temos é de ser capazes de chegar ao fim e fazer o exercício de dizer que o que dissemos sobre este clube ou esta seleção seria igual se fosse sobre outra, se o árbitro fosse outro. Já tenho muitos anos a comentar, a relatar futebol e a apresentar programas para me sentir à vontade e dizer que acho que fui, ou tentei, ser sempre igual para todos.
Já está pronto para entrar em campo, ou melhor, para começar a trabalhar a próxima época...
Não, pois ainda não fui de férias. Estou preparado como consumidor de informação em estar em permanente atualização, mas ao nível de trabalho ainda não faço ideia do que vou fazer.
Tem saudades do Domingo Desportivo?
Sim, fiz uma época e tenho pena de não ter forçado outra. O Domingo Desportivo já tinha muito do que têm estes programas dos europeus e dos mundiais. Creio que, se tivesse continuado, teria contribuído para o futebol nacional não sair da RTP. Pode parecer presunção minha, mas tenho pena de na última experiência que tivemos só ter aguentado um ano. Por várias razões, acabámos por desistir. Fiz parte dos que desistiram e hoje não o faria.
"Em miúdo, passava horas a relatar os jogos dos meus cromos"
Começou pelos relatos. Tem saudades dessa fase?
Tenho... É das melhores memórias profissionais que tenho. Se me perguntar se tenho vontade de voltar a fazer relatos na rádio digo já que sim, mas pontualmente e não como atividade. Atualmente, dá-me mais gozo comentar, analisar... Recentemente, fui à Antena 1, durante o Europeu, e gostei muito de voltar à rádio. O relato radiofónico foi dos trabalhos que mais prazer me deram, pois construímos aquele universo todo com palavras e com a nossa voz.
Em miúdo, costumava ouvir relatos?
Não, passava horas a relatar os jogos dos meus cromos. A minha avó e os meus pais foram as primeiras pessoas do mundo a acreditar que podia ser relatador, pois era o que fazia o dia inteiro.
Tinha algum relatador como referência?
Nessa altura, não. Mais tarde é que comecei a ser ouvinte da Antena 1 e passei a ter as minhas referências, algumas pessoas com quem vim depois a trabalhar. As pessoas que mais ouvia eram o António Pedro, o David Borges, o Óscar Coelho. Esses eram talvez os meus ídolos da rádio. Depois apareceram outros, como o Manuel Costa Monteiro - que é uma pessoa a quem devo muito -, o Jorge Perestrelo, muita gente com quem fui cruzando o percurso.
Dos cromos para a vida real. Quando é que foi a estreia nos relatos a sério?
Foi em Paredes, numa rádio local chamada Rádio Paredes que se tornou a minha porta de entrada. Comecei por fazer programas de música e, um dia, alguém se lembrou que devia fazer relatos do União de Paredes. Não havia quem relatasse e alguém disse que eu gostava muito de futebol. Fui fazer uma experiência num treino e as pessoas ficaram entusiasmadíssimas. Acharam muita graça a um miúdo de 17 anos e comecei a relatar.
Esse foi o pontapé de saída para o jornalismo...
Sim, depois concorri à Rádio Comercial. Enviei uma cassete, como ainda se usava na altura. Isto em 1989 e, passado algum tempo, o Manuel Costa Monteiro chamou-me para saber se continuava interessado. Foi como darem-me a chave do Paraíso e não parei mais. Depois estive na Antena 1, na TSF e a RTP surgiu a par da Antena 1. Depois ainda passei pela SIC e voltei à RTP, como toda a gente sabe.
Como é que acabou licenciado em Sociologia, apesar da queda para a comunicação?
Exatamente por isso. Entrei na rádio e já era importante para mim ficar no Porto a estudar. Já não queria sair daqui, mas ainda não havia o curso estatal de Jornalismo. Havia só o bacharelato na Escola Superior de Jornalismo. Tinha notas para uma universidade pública, fui à procura de um curso que me desse uma formação o mais ampla possível. Achei que Sociologia era uma boa hipótese e não me dei mal.
Gostava de ter tirado o curso de jornalismo?
Gostava e hoje, se optasse, talvez o tivesse feito até porque seria mais rápido. Assim tive de estudar cinco anos e fazer as cadeiras todas. Aliás, até fiz o curso em seis anos, pois entrei em Filosofia e só depois é que fui para Sociologia.
Entretanto deu aulas de Jornalismo...
Ainda dou alguma formação, mas não consigo ter tempo para tudo e na minha lista de prioridades não está dar aulas, apesar de ser uma coisa que também goste de fazer. Foram seis anos seguidos a dar aulas, depois parei, voltei em 2001, mas foi na altura em que estive na direção da RTP e fui pai, tornando-se complicado. Para além disso, prezo ter vida para além da televisão e não prescindo disso apenas para ter mais um item no currículo.
"Agumas vezes sinto-me injustiçado mas não me deixo deprimir"
Ser jornalista no Porto é complicado?
É complicado mais para outros jornalistas do que para mim que tenho, felizmente, um trajeto e um rendimento melhor do que a maioria. Não sou o queixinhas, pois sou daqueles a quem a vida tem corrido bem, mas é mais difícil ser jornalista no Porto. Há menos oportunidades de trabalho e há menos reconhecimento, sobretudo dos media centralizados. Sinto que fazendo o que já fiz, teria um reconhecimento maior se estivesse em Lisboa. Mas aprendi a viver e a lidar com isso. Algumas vezes sinto-me injustiçado, mas não me deixo deprimir.
Na prática, sente-se a distância do poder de decisão?
Cada vez mais... Como sabemos, a evolução dos órgãos de comunicação social no Porto tem sido muito difícil e complicada. Quase todos são, nos dias de hoje, mais pequenos, têm menos gente e menos expectativa quanto ao futuro. Não é um tempo fácil este e não é uma queixa infundada dizer que estamos demasiado longe do poder. Aliás, mesmo os poderes que existiam no Porto, nos media, foram-se transferindo aos poucos para Lisboa.
Onde até trabalha com frequência...
Sim, e não tenho nada aquela coisa do portuense que não gosta de Lisboa. Adoro Lisboa e viveria facilmente em Lisboa como já vivi. Sinto-me lá muito bem e sou muito bem tratado. O que estou a dizer não é o queixume tradicional de "coitadinhos de nós que ninguém nos liga". Não. É reconhecer apenas que estar longe é difícil, que muitos trabalhos são dados maioritariamente a quem está em Lisboa e que o reconhecimento mediático também acontece mais em quem está em Lisboa. Mas, se calhar, eu sou daqueles que não se podem queixar. Acho que há um grupo grande de jornalistas no Porto - e até na televisão - que merecia mais reconhecimento, talvez aquele que eu, felizmente, tenho tido.
No ano passado fez 20 anos que entrou para a RTP. Saiu durante um ano para ir para a SIC, e voltou. Acha que ficou a ganhar com a passagem por Carnaxide?
Fiquei a ganhar muito, sem dúvida. Voltei outro, conheci outra cultura de empresa, conheci muita gente fantástica. Ainda hoje tenho muitos amigos na SIC, tenho outros que conheci na SIC e estão agora na RTP ou noutras televisões. A decisão de ir para a SIC foi das melhores que tomei na vida, a de voltar para a RTP foi boa, mas não sei se foi das melhores que tomei na vida.
O rumo que a RTP leva faz repensar essa decisão?
Sim, o rumo que as coisas levam faz-nos pensar, muitas vezes, como teria sido se...
Assusta-o o futuro da RTP?
Não me assusta, mas preocupa-me. Preocupa-me sobretudo a indefinição quanto ao futuro da RTP.
A RTPN deu lugar à RTP Informação. Sente que o projeto de informação a norte falhou?
Isso é difícil... Acho que o projeto da RTPN não falhou até porque os resultados que o canal tem tido não são melhores. Portanto, estando eu muito empenhado em que a RTP Informação seja cada vez mais um sucesso - felizmente estamos a falar num momento em que as audiências até sobem no verão -, acho que o futuro vem a provar que aquilo que se exigiu à RTPN não se podia exigir tão prematuramente, sobretudo numa altura em que houve obstáculos internos colocados à RTPN, enquanto a direção esteve no Porto. Isso foi evidente, as pessoas que estão na RTP sabem que isso é uma realidade indiscutível e as pessoas que já não estão na RTP - mas que protagonizaram isso - também sabem.
Será que o Porto Canal pode concretizar essa ambição, a da informação a norte?
Não creio, embora deva dizer que, independentemente das ligações atuais ao FC Porto, torço muito para que qualquer projeto de comunicação social no Norte seja um sucesso. Gostava, sinceramente, que o projeto Porto Canal fosse um sucesso, ainda por cima agora liderado por alguém com quem tenho uma história de vida longa e de quem eu gosto, o Júlio Magalhães. Agora, o papel da RTPN era outro, era o de virar o Porto para o País e mostrar que o Porto podia ter ambição nacional e acho que esse espaço não é replicável em qualquer entidade privada, seja ela de quem for. Acho que, em parte, é a grande justificação para a existência de um canal de informação na televisão pública. É o mostrar o outro país que não é visto só a partir de Lisboa. Felizmente, apesar de atualmente a direção do canal não estar no Porto, é bom que se diga que o canal (RTP Informação) ainda é feito, na sua grande maioria, a partir do Porto. Isto é justo, pois não é fácil, tem custos para a RTP, mas conta com todo o contributo da atual direção de Informação e em particular do Nuno Santos que, ao contrário dos outros, tem sido um diretor amigo do Porto e tem valorizado muito o nosso trabalho.
As audiências alimentam os canais. Como vê os últimos tempos e a entrada da GfK em ação?
Acho que é tão evidente que há resultados estranhos e atribuições a categorias como outros a milhares de pessoas... Sei que há muita gente a jogar consola e a ver programas gravados, mas não podem representar, como em alguns dias, 30% ou mais de audiência televisiva. Não estou muito por dentro e confesso que, infelizmente, comecei a ligar menos a isso. É tal o descrédito que deixei de valorizar, embora a RTP esteja a ter um prejuízo enorme e não sei se alguém, algum dia, vai assumir isso. E, numa altura em que se discute o futuro da empresa, isso é relevante. Tiro o meu chapéu, desde a administração à direção da RTP, a quem tem lutado para mudar este tipo de coisas.
RTP e SIC fazem parte do seu currículo. Nunca recebeu qualquer convite da TVI?
Não, da TVI não. Os convites, a partir de determinado momento, escasseiam. Começamos a ter determinado estatuto e rendimento e é difícil pensarem em ti, embora talvez não seja por isso que nunca me convidaram. Da SIC também nunca mais convidaram...

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