sábado, 14 de julho de 2012

Entrevista a Adriano Luz

Adriano Luz: "Alongar as novelas não é bom para ninguém"


Foi na sua casa no Algarve, em Olhão, que Adriano Luz concedeu uma entrevista sincera. Relembrou os tempos em que cantou com Zeca Afonso, o ano em que teve de tocar viola em bares para ganhar dinheiro, o curso de Engenharia que o safou de frequentar a tropa e explicou como chegou aos quase 30 anos de carreira de ator. Adriano Luz faz ainda duras críticas ao culto da beleza por parte das televisões para escolherem os atores.
Esteve de férias com a família no Algarve, é importante ter estes momentos de pausa depois de tanto tempo a trabalhar tendo estado um ano a gravar Remédio Santo?
É. Tirei a segunda quinzena de junho para estarmos todos juntos. Vamos à praia, assamos peixe, tenho aí umas canoas com as quais damos umas voltas, fazemos preguiça fundamentalmente.
Com quase 30 anos de carreira, já tem o privilégio de escolher os projetos em que entra?
Mais ou menos. Dão-me os textos para eu ler... já aceitei projetos por intuição e enganei-me, por isso cada vez o faço menos. É doloroso quando percebemos que não era aquilo que pensávamos, de maneira que agora leio sempre. Os projetos escolhem-se pelo projeto em si, pelas condições financeiras... estou a falar mais de teatro porque as novelas são abertas, as personagens vão evoluindo. As novelas também tendem a arrastar-se infinitamente.
O facto de as novelas estarem cada vez maiores não lhe agrada?
Não. Acho que não agrada a ninguém. Mas é um sinal dos tempos, alongam-se as novelas por problemas económicos. Acho que não é bom para nós, que as fazemos, não é bom para quem as escreve, para o público que as vê... Alongar as novelas não é bom para ninguém mas, se calhar, nos próximos tempos vai continuar a ser assim.
Remédio Santo é um exemplo disso, acabou de gravar em março, mas a novela irá estar no ar pelo menos até setembro...
É muito. Dá um ano de emissão diário.





Acredita que é por is so que as audiências das novelas têm baixado?

Acredito que ajuda. Mas também porque não há outro tipo de oferta, a oferta das generalistas é um bocadinho parecida. A RTP devia elevar um bocadinho a fasquia na contraprodução. Mas se a RTP não o faz, as privadas não o fazem seguramente porque isto sai-lhes mais barato, e os resultados não são maus. Falando da TVI, que é para onde trabalho, os números têm descido, mas o que tem subido é o cabo. Tem mais diversidade, mas tem um senão, para uma faixa etária, é falado maioritariamente em inglês.
A novela retrata temas ocultos como o diabo e o anjo, o bem e o mal. Acredita nisso?
Acredito no bem e no mal, é indissociável do ser humano. Existe, claro. Agora acreditar na sua personificação? Existe, o Hitler, se calhar, era a personificação do mal (risos). Não acredito naquilo. E não sei, fazendo a retrospetiva, se foi muito boa ideia abordar aquele tema.
Porquê?
Porque a determinada altura corre o risco de descambar, com tantos anjos e demónios... Há uma linha de bom gosto que eu acho que ao princípio a novela tinha sobre esse tema, lidava de uma forma gentil com isso. A determinada altura aquilo descambou para o grotesco. Mas acho que também é muito difícil escrever seis episódios por semana.
Falta a criatividade?
Exatamente. Não há o que fazer para conseguir continuar a escrever e a reinventar novas histórias.
Não acreditando no tema, foi fácil para si representar o Armando?
Não me cruzei muito com esse tema. Eu olhava para o meu filho [Pedro Carvalho] como um rapaz normal, ele não era um ser do outro mundo, tinha alguns problemas, mas nada mais... Eu não podia olhar para ele como o público o via, eu não via isso, só represento o que vejo. Mesmo para mim, a Santinha era um mito rural. Nunca olhei para o bode a não ser como uma coisa para comer. Mas era difícil, às vezes.
Vai entrar na próxima novela de António Barreira, o que pode adiantar?
Nada, ainda só está uma sinopse escrita. Terá de ser o António Barreira a dizer. Eu já li a sinopse porque é da Casa da Criação, eu, como diretor, já a li. Mas não posso dizer nada porque as sinopses alteram sempre.
Os atores que vão entrar nesta novela são quase todos os que entraram em Remédio Santo...
Sim, maioritariamente. Se fôssemos buscar atores desta que começa em junho ainda colavam as duas no ar ao mesmo tempo. Eu colei três novelas e não acho nada boa ideia, não é bom. Parece que nós vivemos dentro da televisão. Às vezes acredito que tem mesmo de ser, mas também acho que se devia fazer um esforço maior para que isso não aconteça... Quando era diretor artístico da Plural, tentei que isso não acontecesse. Só acontecia por insistência explícita do cliente, neste caso a TVI.
Porque deixou esse cargo?
Porque se acabou um ciclo, também já estava estourado. Descurei um bocadinho o meu outro lado, o de artista. Há muita reunião para o meu gosto, passava a vida a reunir. A determinada altura aquilo não era a minha praia, de todo. Demorei a descobrir porque estive lá quatro anos (risos). Acreditava que podia deixar uma marca, mas não deixei nada. Se calhar, algumas coisas, sim, mas nada de especial. Tivemos grandes êxitos. Descobrimos algumas pessoas com talento, atores não.
Está a referir-se a quem?
Houve uma coisa que nós fizemos de novo. Antigamente, os miúdos chegavam aos Morangos com Açúcar e começavam logo a representar. Quando eu lá estive, e ainda hoje se mantém, eles tinham umworkshop de três, quatro meses para lhes dar alguma estaleca. Tirou-lhes aquele ar penoso que dava nos primeiros episódios nos Morangos, era uma coisa de chorar. Não era só nos Morangos. Os pais deviam proibi-los. Nessa altura, apareceu a Rita Pereira, a Sofia Ribeiro... não os descobri, foram as circunstâncias, e a persistência deles.
Mas não houve ninguém que tenha sido o próprio Adriano a levar para a TVI?
A Elisa Lisboa, por exemplo, está na TVI e outros atores porque insisti, a TVI não os conhecia. Eram atores de teatro. O André Nunes é outro caso, dei-lhe aulas e achei que ele tem um talento extraordinário, mas foi um bico de obra vendê-lo, no sentido de o aceitarem. Mas depois lá perceberam que se pode ser ator e ter o nariz grande, que era um dos problemas deles.
Há mesmo um culto de beleza dos atores?
Havia um culto enorme, não sei se ainda há porque já não estou lá. Mas não é só cá, basta abrir o cabo para ver as séries que têm ou não o culto do físico. O CSI vê-se perfeitamente que não tem o culto do físico e que tem atores de carne e osso. O CSI Miami tem muito o culto do físico. Quando estava na TVI, e me diziam que queriam atores, eu ia às escolas, mas eles queriam que eu fosse às praias (risos). Tentei levar algumas pessoas para os Morangos de escolas e consegui alguns, o Pedro Caeiro, por exemplo, mas não foram muitos. Porque tinham um sinal ali, ou porque eram mais fortes, não eram muito altos, ou magros. Também é assim lá fora. Essa televisão a mim não me interessa, mas é a que temos.
De tudo o que fez, o que mais lhe dá prazer?
Ser ator, tudo o resto faço por complemento. Comecei a realizar por isso e a encenar.
Estreou-se no ano passado como realizador, na curta-metragem O Dia mais Feliz da Tua Vida. Porquê aos 52 anos?
Pensei fazer o filme e no ano a seguir fiz. Foi uma coisa rápida, tive a sorte de ter concorrido ao subsídio e isto ainda não estar neste desastre que está, e de ser subsidiado. Depois disso, decidi fazê-lo rapidamente porque tinha o filme todo na minha cabeça. Iria fazê-lo de qualquer maneira, nem que fosse pedir uma borla aqui ou ali. Mas assim, além de poder trabalhar com as pessoas que queria, pude pagar (risos). Este é o nosso trabalho.
Essa experiência é para repetir?
Mais dia menos dia vou repeti-la. A vontade e o apetite por realizar foram os mesmos de há alguns anos largos, quando senti que queria encenar espetáculos. Este ano vou voltar a encenar, no Tivoli, uma peça para se estrear em novembro, com o Rui Mendes, a Carla de Sá, que é a minha mulher, e o Jorge Mourato. É uma comédia. Ainda não posso falar disso.
Só vai mesmo encenar?
Sim. Mas vou fazer outra peça antes no Teatro Nacional D. Maria II. Mas a seu tempo se saberá.
Vai juntar as duas peças?
Vou, vou juntar as duas e ainda vou juntar a isto a novela. Mas não é nada que não se consiga encaixar.
Mas terá de fazer uma grande ginástica...
Sim (risos). Ainda por cima a minha mulher entra numa das peças... mas nós temos uma senhora que nos ajuda muito com as crianças.
Nesta altura que só se fala em crise, trabalho não lhe falta...
Não. E para o ano já tenho mais duas peças para além da novela. Eu, normalmente, já sei o que vai acontecer com um ano de antecedência. Não consigo mesmo estar parado, é por isso que não consigo estar de férias mais do que 15 dias, é muito tempo parado. Prefiro estar 15 dias, ir enervar-me para qualquer lado, e depois voltar (risos).
Adriano não queria ser ator quando era mais novo. Tanto que estudou Engenharia...
Eu não era para ser ator. Era para ser qualquer coisa que nem sabia bem o quê. Eu só me inscrevi no curso de Engenharia para não ir à tropa, mas não acabei (risos). Eu queria ir para Arquitetura, não entrei porque era um péssimo estudante. Também era uma altura conturbada, o 25 de Abril, fazia-se tudo na escola menos estudar. Eu tinha uma média miserável. O curso para que conseguia entrar era Engenharia, ou eu me inscrevia ou a tropa chamava-me. Fiz o primeiro ano, o segundo e o terceiro... Depois fui chamado para ir para a Comuna, porque já fazia teatro no Porto e esqueci-me de me inscrever...
Sempre teve de ir à tropa?
Não. Perguntaram-me se eu queria fazer teatro profissional porque no Porto recebíamos quando conseguíamos arranjar uns subsídios. Quando cheguei a Lisboa, esqueci-me de me inscrever, com aquela excitação toda. A tropa voltou-me a chamar. Sou dos primeiros objetores de consciência porque antes do 25 de Abril isso ainda não havia. Na altura não havia serviço cívico para fazer. Então nunca fiz nada (risos). Acabei por não ir à tropa e legalmente sou um objetor de consciência.
Antes de ser ator, também cantou com Zeca Afonso, Sérgio Godinho...
Fundamentalmente, pertenci a um grupo de ação cultural, em que um dos seus mentores era o José Mário Branco. Eu era um miúdo, tocava tambor, viola, tocava mal gaita-de-foles. Aquele grupo era a componente musical da extrema-esquerda.
Tinha que idade?
Tinha 16 anos, foi logo a seguir ao 25 de Abril. Era da idade do meu filho mais velho, mas ninguém tinha mão em mim lá em casa. Algumas vezes, nós, enquanto grupo, acompanhávamos o Zeca Afonso, nem me lembro exatamente onde. Nós éramos uns catraios e dávamos conselhos aos mais velhos (risos), ridículo... Foi destes pequenos espetáculos que o João Mota me encontrou e me levou, a mim e ao resto do grupo, para o palco. Nesta altura já éramos os Feira. A minha primeira experiência em teatro foi a cantar. E fui porque sabia cantar, não por saber representar. Foi aqui que nasceu o bichinho da representação. Fizemos uma espécie de curso e ao fim de dois anos montámos um espetáculo. O canto ficou por aqui. Tenho uma viola em casa que raramente toco.
Por algum motivo?
Porque não me apetece. Tinha um saxofone, mas vendi-o. Eu tocava porque as pessoas que me fascinavam, e que respeitava todos eles, eram músicos, fosse o Vitorino, o José Mário Branco, o Zeca Afonso... Eu fazia um esforço enorme, mas nunca consegui compor uma música na vida (risos). Claro que nunca podia ser músico no sentido de compositor. O Zeca Afonso do nada fazia música. Se era para cantar uma coisa muito profissional eu era afastado, mas se fosse como um coro alentejano já não fazia mal. Eu não cantava bem. Sou afinado, mas não tenho uma grande voz. Eles achavam graça ao puto que queria ser artista.
Queria e conseguiu...
Consegui, nunca pensei nisso. Se algum dia me tivessem dito, eu perguntava porquê? Eu queria era tocar viola.
Nunca chegou a ganhar dinheiro com a música?
Houve uma altura na minha vida que estava muito mal de dinheiro porque saí do Teatro Aberto, tinha 25 anos, e a única maneira de arranjar algum dinheiro foi a tocar em bares. Ainda me serviu de alguma coisa saber tocar umas coisas. Tocava em Lisboa, no Barreiro... Uma vez também fui para Alemanha e toquei imenso lá. Fui para França, para a apanha das uvas, mas acabei a apanhar maçãs. É parecido (risos). Fui porque na altura, quando se acabava o 11.º ano (não havia 12.º), fazia-se uns exames e eu chumbei. Então fui para fora. Foi nesta altura que surgiu o 12.º. Ainda trouxe uns trocos da Alemanha.
E foi nessa altura que começou a sério o seu trabalho como ator?
Sim. O primeiro sítio onde vivi em Lisboa, porque sou do Porto, foi na Av. Almirante Reis, num quarto que uma senhora velhota me arrendou. Era muito simpática. Deixava-me sempre uma fatia de bolo e um chazinho no quarto, devia adivinhar que eu vinha sempre cheio de fome. Eu trabalhava na Comuna e no Teatro Aberto e não tinha dinheiro para arrendar casa.
Lembra-se do seu primeiro ordenado?
O meu primeiro ordenado foram 15 contos [75 euros], na Comuna. Mas na altura dava-me, porque quando a moeda passou para o euro a vida encareceu muito. É o dobro. E o meu segundo ordenado foram 20 contos [100 euros]. Não pagava nada, dava para comer, dava resvés para almoçar e jantar na Comuna.

1 comentário:

Ana F. disse...

Tenho a necessidade de deixar aqui os meus sinceros votos de parabéns ao Adriano e concordar com ele, quando refere o defeito de se escolher apenas pela linda cara.... Muitas felicidades ao realizador e sucessos para o ator.
Gostei imenso de confirmar (pessoalmente) que é um ser muito simples e firme/seguro.
Um forte abraço.
Ana F.

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