sexta-feira, 22 de junho de 2012

Hélder Silva em entrevista

Hélder Silva: "Não tenho uma visão corporativista da profissão"

Há já 15 anos que trabalha para a RTP1, o pivô do Jornal da Tarde e diz que o jornalismo é mais que uma paixão e também que com as audiências medidas pela GFK não apresentam resultados credíveis mas que não são audiências desmotivadoras. O mesmo não acha bom a sua indefinição do serviço público de televisão. Hélder Silva esteve à conversa com a Noticias TV, veja toda a entrevista.


Desde que as audiências televisivas começaram a ser medidas pela GfK, o Jornal da Tarde perdeu espectadores. Qual a sua leitura?
De acordo com a GfK, o Jornal da Tarde não tem tantos espectadores como tinha quando as medições eram feitas pela Marktest. Ou seja, duas empresas, duas amostras, dois métodos diferentes de medição, dois resultados. Vamos por partes. Sabemos algumas coisas: conhecemos os erros das medições da GfK e que, não raras vezes, ninguém os explica devidamente; sabemos que do ponto de vista técnico a GfK ficou em quarto lugar no concurso lançado para fazer a audimetria em Portugal; sabemos que a amostra tem sub-representadas faixas etárias vitais para a RTP (o que já foi assumido pela GfK) e sabemos que o método de obtenção de resultados mudou. Face a tudo isto, quer que acredite nos resultados da GfK? Posso admitir que os relatórios da Marktest não reproduziam fielmente os resultados das audiências televisivas, mas os da GfK também não o fazem. Garantidamente. Quanto ao mais, nesta data ainda estamos à espera do relatório que a Comissão de Análise e Estudos de Meios pediu à consultora PriceWaterhouseCoopers e cuja divulgação vem sendo adiada. Pode ser que nessa altura se perceba melhor a confusão em que o sector caiu.
Eu sei que o profissionalismo não está diretamente relacionado com as audiências, mas consegue-se manter o mesmo espírito quando se vê, independentemente das causas, uma descida de audiências?
Jornal da Tarde, mesmo nas medições da GfK, nunca esteve em último lugar na tabela dos mais vistos do dia. Mas se está a falar dos concorrentes diretos como o Primeiro Jornal [SIC] e o Jornal da Uma [TVI], tenho vindo a assistir com alguma curiosidade à subida do Jornal da Tarde na medição da GfK. Os relatórios diários de audiências começaram por colocar o Jornal da Tarde em terceiro lugar, mas, nas últimas semanas, sem ninguém explicar porquê, começámos a vê-lo subir e até já ganhámos um dia. Mas respondendo diretamente à sua pergunta, consigo manter o mesmo profissionalismo por dois motivos. Primeiro porque os espectadores merecem o maior respeito, sejam 20 mil, 30 mil ou um milhão. Depois porque não acredito nos números da GfK.
Como olha para a alienação de um canal da RTP?
Coloco a questão neste termos: se alienarmos um canal da RTP conseguimos assegurar o serviço público de televisão nos termos contratualizados com o acionista? Acho que esta deve ser a pergunta de partida. Até admito que possamos conseguir, mas não nos termos que estão contratualizados. Os dados de abril deste ano mostram que não há nenhum país na Europa, em plataforma TDT, com menos de dois canais de serviço público em sinal aberto. O único país com apenas um canal é o Luxemburgo, que faz uma distribuição do sinal televisivo diferente, via satélite. E os únicos países que têm dois canais de serviço público em sinal aberto são Portugal, o Chipre, a Estónia, a Letónia, a Eslováquia e Malta. Sem nenhum desprimor para estes países, é com eles que queremos comparar-nos em matéria de serviço público de televisão? Se for essa a opção, vamos em frente. O que não me parece nada saudável é esta indefinição. Acho que ninguém tem a ganhar com isso.
Disse, há anos, que "os jornalistas têm de repensar o jornalismo em Portugal" de forma a não existirem "atropelos éticos e deontológicos". Ainda pensa da mesma forma ou os jornalistas já repensaram o jornalismo?
Disse isso num momento em que um operador de televisão e dois jornais tinham uma abordagem noticiosa em que não me revia. Com o passar dos anos, acho que a autorregulação ajudou a pôr o jornalismo nos eixos. Se me pergunta se está tudo bem no jornalismo em Portugal a resposta é não, não está. Como não está em muitas outras atividades profissionais.
Nos últimos tempos tem havido mais ou menos atropelos?
Menos do que nesses anos. Mas repito que há muito para corrigir.
E o que é urgente corrigir no jornalismo português?
O jornalismo não está isento de falhas. Não tenho uma visão corporativista da profissão. E não me custa nada admitir que se cometem erros no jornalismo. Não quero é acreditar que são cometidos por leviandade. E também não me custa admitir que no jornalismo, como noutra qualquer atividade profissional, há quem tenha nascido para isto e há quem tenha de fazer um esforço para ser melhor. Se quer um exemplo, acho que é preciso repensar a cobertura mediática dada a determinados acontecimentos, que muitas vezes peca por excesso.
Já se tem falado de pivôs de informação enquanto espécie de entertainers. Também já se tem visto muitos jornalistas que deixam a informação pelo entretenimento e que em consequência das suas escolhas passam a ser vistos como profissionais "menores". Acha que estes casos são mais notórios nas mulheres?
Não me parece que sejam profissionais menores só porque optaram pelo entretenimento. Sejam homens ou mulheres. Não penso assim nem vejo nenhum motivo para isso.
O que quero perguntar é se em televisão as mulheres são as vítimas maiores das aparências?
Não me parece. É verdade que em televisão forma é conteúdo. Mas tanto o é no caso das mulheres como dos homens.
Começou por querer ser arquiteto, mas entretanto apaixonou-se pelo jornalismo quando foi trabalhar para uma rádio, aos 15 anos. A paixão que sentiu no início tem a mesma intensidade da que sente hoje ou já se desiludiu com a profissão?
Aproveito para corrigir o que disse em tempos. Não me apaixonei pelo jornalismo, amo o jornalismo. E, como todos os amores, já teve altos e baixos, já teve paixão e desilusão, já teve fases em que são normais numa relação que arrasta há quase 20 anos. Hoje continuo a adorar o que faço.
Há espaço na televisão portuguesa para três canais de informação ou são canais a mais?
Há espaço se não cairmos num mimetismo informativo que não beneficia ninguém. Perdoe-me a simplicidade da metáfora, mas se vou abrir um café numa freguesia onde já existe um, tenho de dar aos clientes mais do que o outro dá... dar mais ou dar algo diferente. Acho que há espaço para os três se o caminho for a diferenciação.
O que os distingue?
As notícias são as notícias e não hão de ser muito diferentes. Se a atualidade impõe uma determinada notícia, não há como fugir. Se assim fosse, neste caso não estaríamos a falar de canais temáticos de informação mas de outra coisa qualquer. O que os distingue pode ir da abordagem às notícias (o que já acontece em alguns casos), aos formatos diferentes. Mas admito que podiam diferenciar-se mais.
Está na RTP desde 1997. Assistiu a muitas mudanças na empresa. Hoje, a RTP é uma estação...
... madura, segura, credível, de confiança. E como sempre, por vários motivos, o alvo mais fácil da crítica. O escrutínio que é feito à RTP é implacável. E não digo que não compreendo isso. Compreendo e muitas vezes até acho saudável. Mas às vezes custa ouvir e ler determinados comentários.
Porque são injustos ou porque é difícil encarar a verdade?
Há críticas muito injustas e que não raras vezes são feitas por quem não percebe nada de televisão. Era como se eu começasse a avaliar, a ajuizar e a criticar o trabalho de um médico do Serviço Nacional de Saúde. Se me der motivos para isso até posso criticar a sua postura profissional. Seja por falta de zelo ou empenhamento. Mas não tenho conhecimentos nem competências que me permitam questionar porque receitou este e não aquele medicamento. No caso da RTP, por ser o serviço público de televisão, todos se acham no direito de criticar tudo. Não quero com isto dizer que a RTP não cometa erros. Todos cometem. E nesses casos admito todas as críticas até por estamos a falar de um serviço público. A verdade é que esses erros são quase sempre menores. Ninguém tenha dúvidas que fazemos sempre o nosso trabalho com empenho e com afinco. E quando desata tudo a dizer mal só porque se mexeu num determinado interesse instalado ou só porque sim, isso irrita-me.
Passou pela rádio antes de chegar ao pequeno ecrã. A rádio ainda é a melhor escola para se fazer televisão em Portugal?
Na minha altura foi. Mas hoje as universidades estão dotadas de meios que na altura não existiam.
Fez várias reportagens para a RTP, nomeadamente em cenário de guerra. Enquanto pivô, e apesar de continuar a fazer reportagens, não sente saudades de andar mais tempo na rua, de sentir o pulsar da atualidade sem ser em estúdio?
Deixe-me dizer que no estúdio também se sente o pulsar da atualidade, às vezes até mais do que na rua. Respondendo diretamente à sua pergunta, sinto saudades de andar na rua. Ainda recentemente estive em Londres em trabalho e confesso que já estava a sentir falta da reportagem. Mas também seria hipócrita se não lhe dissesse que adoro apresentar. A adrenalina da apresentação de um jornal televisivo é incomparável.
Também já disse que gostaria de ter um programa "de entrevistas, de autor". É um desejo que se mantém?
Se disse isso foi no sentido de que estou sempre aberto a novas propostas de trabalho. Gosto de praticamente tudo na área da informação televisiva.
Passar para o chamado horário nobre da RTP é algo que ambiciona?
O que ambiciono é ser feliz. E se é verdade que uma parte dessa felicidade depende do trabalho, não é menos verdade que hoje me posso considerar feliz. Faço o que gosto e isso é o mais importante, seja à uma da tarde ou às oito da noite. Estou ao serviço da RTP e farei o que a direção de informação considerar mais útil para a antena. Mas não tenho nenhuma ambição desmedida pelo horário nobre.
Demonstra muitas vezes na sua página do Facebook as maravilhas da paternidade. Ser pai alterou a sua perspetiva de vida? Da profissão?
Quem publica a maior parte das fotografias é a minha mulher. O que não quer dizer que não sinta as maravilhas da paternidade. Sinto e muito, mas sempre fui reservado no que diz respeito à minha vida e quero continuar a ser. O meu trabalho já me expõe muito. Mas posso dizer que, como qualquer pai, sou louco pela minha filha. E isso naturalmente alterou a minha perspetiva da vida. Hoje sou muito mais sensível a notícias que envolvem crianças.
Se num futuro (ainda) distante a sua filha lhe dissesse "pai, quero ser jornalista", o que lhe diria?
Se esse for o desejo dela, alertá-la-ei para as vantagens e desvantagens da profissão. Mas dir-lhe-ei sempre que ela será o que quiser. E farei tudo para a ajudar. Mas não serei eu a dizer-lhe que devia ser isto ou aquilo.

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